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Darlan Corrêa Dias

Professor da Faculdade de Medicina da Univale- Governador Valadares-MG

Departamento de Adolescência da Sociedade Mineira de Pediatria

Se consultarmos a Wikipédia, site mais usado para consultas rápidas em todo mundo, e acessarmos o verbete PRECONCEITO, acharemos a seguinte definição: “Preconceito é uma opinião desfavorável que não é baseada em dados objetivos, mas que é baseada unicamente em um sentimento hostil motivado por hábitos de julgamento ou generalizações apressadas. A palavra também pode significar uma ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial.´. No mesmo verbete a Wikipédia lista, como efeitos do preconceito: “São várias as consequências vislumbradas em vítimas de atos discriminatórios, dentre elas a depressão, a baixa autoestima, a agressividade, desvios comportamentais, formação debilitada da identidade, além de dificuldades na aprendizagem. Também são variados os comportamentos expressivos de quem sofre o preconceito”.

Nós, médicos de adolescentes brasileiros, atendemos uma faixa etária cheia de peculiaridades e agravos. Sempre digo que os adolescentes são o elo mais frágil de nossa sociedade adultocêntrica. A sociedade tem seus olhares voltados aos extremos das idades: A primeira infância e a terceira idade. Pouco se fala da transição entre infância e adultícia. E esse vácuo de atenção gera um vácuo de investimentos em políticas para a juventude. A pergunta é: Nossos adolescentes merecem menos atenção ou são vítimas de uma visão preconceituosa, que pressupõe que eles não precisam de investimentos?

Nossos adolescentes estão no topo de quase todas as estatísticas negativas.

A mais preocupante é a desastrosa ascensão da curva de homicídios de nossos jovens da periferia das grandes cidades. O relatório do Unicef “Um rosto familiar, a violência na vida das crianças e adolescente”, colocou nosso país como o sétimo, onde mais morrem adolescentes entre os filiados da entidade, ou seja: É perigoso ser adolescente no Brasil!

O Atlas da violência de 2019 mostrou um cenário desanimador, dentre outros números, quase 52% dos homicídios acontecidos naquele ano atingiram a faixa etária de 15 a 19 anos, sendo que, nesse universo, 75,5% das vítimas eram negros. Ou seja, o massacre contra nossos jovens tem cor!

A violência sexual também aflige nossas adolescentes. Em nosso país uma adolescente sofre violência sexual a cada quinze minutos (Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2019). A questão da exploração sexual de nossas crianças e adolescentes é praticamente invisível em nossa sociedade e temos em média 500 mil crianças e adolescentes em situação de exploração sexual (Instituto Liberta), que é análoga ao trabalho escravo- uma vergonha. Sem esquecer que somos o segundo país no mundo em quantidade de crianças e adolescentes em situação de exploração sexual.

Quando nos debruçamos sobre o problema da gestação precoce, vemos que nossas taxas de redução desse agravo estão entre as piores do mundo. Em 2020, tivemos 400 mil partos de pacientes abaixo de 18 anos! E nossas taxas de redução da gravidez precoce diminui num ritmo muito quem do desejado. Estamos piores que o Sudão do Sul, a Índia e o Paquistão, países que toleram o casamento infantil.

Nossos números em relação ao suicídio são muito preocupantes. Segundo o livro Compreendendo o Suicídio, de 2022 (Damiano. R.F, Cruz.I.D, Tavares.H e Luciano.A.C), a mortalidade por suicídio no Brasil, na faixa etária entre 5 e 19 anos, está em 1,7 por 100 mil indivíduos, o que nos coloca em nonagésimo nono lugar ente 195 países.  Dados que refletem uma preocupante realidade.

A pandemia a gravou nossa crise econômica. Não temos taxas tão altas de desemprego há décadas e isso tem levado os jovens mais precocemente ao mercado de trabalho, nossas taxas de evasão escolar, principalmente no ensino médio, estão explodindo, segundo o INEP a taxa de evasão escolar no país foi de 2,3% para 5,6% de 2020 a 2021. E o abismo que sempre existiu entre as escolas privadas e públicas se tornou mais agudo.

Nossos adolescentes estão iniciando o consumo de bebidas alcoólicas cada vez mais precocemente e já estamos preocupados com novas ameaças: Os cigarros eletrônicos e as drogas digitais. Os cigarros eletrônicos têm se tornado populares entre nossos adolescentes, nos fazendo pensar que nossas taxas de tabagismo vão voltar aos níveis preocupantes da década de 70 do século passado.  Outra preocupação são os I-doser, chamadas drogas digitais, que ainda estão sendo estudadas, mas que já se sabe que terão uma grave repercussão na acuidade auditiva de seus usuários.

Quando examinamos a taxa de cobertura de vacinações, a faixa etária da adolescência sempre está muito abaixo que qualquer outra faixa etária pediátrica.

E a ideia de diminuir a idade penal? Volta e meia, retorna aos jornais, porque é senso comum de que eles devam ser punidos desde cedo e que não vale investir em “pequenos bandidos”, numa distorção de valores só explicada por um sentimento de preconceito. Dados do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Sócio Educativo) mostram que já temos uma multidão de jovens em medida socioeducativa de restrição de liberdade (26 mil em 2015), em sua maioria negra (59%) entre 16 e 17 anos (57%), num regime muito distante do que preconiza o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Novamente aqui enxergamos a marca do preconceito e da exclusão.

Quando analisamos por esses números, percebemos uma série de omissões, que vão desde o microuniverso das famílias até chegar a nossa sociedade, passando, obviamente, por gestores e legisladores.

Penso que vários fatores estão implicados nessa cadeia sinistra de omissões, mas para quem vive seu dia a dia, lidando com adolescentes e familiares, fica óbvio que há sim um latente preconceito contra nossos jovens, que eu chamo de HEBEFOBIA. Basta abrirmos um jornal ou um site de notícias, se encontrarmos a palavra adolescente, ela virá inserida numa notícia negativa (uso de drogas, homicídios, gestação precoce etc.). Por outro lado, se um adolescente do Ceará vence uma olimpíada de matemática na Suécia, a notícia sai sem nenhum destaque. Essa postura acontece porque falar bem dessa faixa etária não vende jornais. Há implícito, um preconceito.

A pergunta é: Até onde esse preconceito prejudica nossos jovens na escolha de políticas públicas? Até onde uma autoridade decide colocar verbas em projetos que beneficiem adolescentes ou em outros projetos mais simpáticos aos seus eleitores?

Falar de HEBEFOBIA é importante.

Quem defende os adolescentes tem que estar alerta, pois só enfrentaremos essas tristes estatísticas investindo pesado em políticas para nossa juventude.

Nota do autor:  PARA NÃO LEITORES DE PORTUGUÊS. A palavra HEBEFOBIA é um neologismo, inspirado em Homofobia. O sentido seria preconceito contra adolescentes.

BIBLIOGRAFIA

CERQUEIRA , Daniel et al, Atlas da violência, São Paulo, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019

DAMIANO, Rodolfo Furlan, et al. Compreendendo o suicídio. Santana do Parnaíba-SP. Editora Manole, 2021

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA.Prevenção na gravidez da adolescência.. SBP, 2019. Disponível em http://sbp.com.br. Acesso em: 13 dez,. 2022.

UNICEF, Um rosto familiar: A violência na vida de crianças e adolescentes, em 2017 [ recurso eletrônico] UNICEF-Brasil, 2017. Disponível em: https://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/unicef_relatorios/violencia_na_vida_de_criancas_e_adolescentes_unicef2017_resumo_port.pdf . Acesso em: 13 dez. 2022.

Post Author: CODAJIC